sábado, 11 de fevereiro de 2012

Nova ministra compara aborto com dengue. É das declarações mais assustadoras que já vi sobre o tema


Demorou cinco minutos para que a nova ministra das Mulheres deixasse clara sua preferência programática: o aborto. Ao menos, essa é a pauta que ela fez questão de enaltecer em sua primeira entrevista coletiva. Eis uma de suas frases: "O aborto, como sanitarista, tenho que dizer, ele é uma questão de saúde pública, não é uma questão ideológica. Como o crack, as drogas, a dengue, o HIV, todas as doenças infectocontagiosas".
Vamos por partes. Invocar a condição de sanitarista para tratar do assunto já é algo, deveras, temerário. Não existe aborto “como sanitarista”, “como isso”, “como aquilo”. Aborto é aborto em toda sua crueza – sanitária num aspecto secundário, mas humana no que mais importa. A condição profissional da ministra não permite uma visão essencial e excludente sobre a questão.
O tema é da sociedade. Diz com os direitos humanos, ou melhor, com o mais essencial deles: a vida. Diz com a filosofia, com a antropologia, com o mundo jurídico e com todas as áreas de conhecimento.
Diz também com religião – sim, senhora ministra! –, porque quem dobra joelhos em nome de uma fé não está excluído aprioristicamente do debate político, ao contrário do que pregam alguns intolerantes travestidos de plurais. A história mostra, a propósito, a relevante contribuição das religiões, e mais especificamente do cristianismo, para o direito e para a civilização.
Aborto diz também com ideologia, ora bolas. Quem entende o feto como matéria – tão-somente matéria, parte do corpo da mulher, tal qual uma unha encravada ou uma doença infectocontagiosa – reproduz, inequivocamente, uma visão ideológica: a de que a realidade humana não possui uma dimensão transcendental, espiritual. A aceitação ou não desses pressupostos está na raiz das principais linhas ideológicas vigentes até hoje.
Por fim, a comparação, a assustadora comparação do aborto com o HIV, o crack, as drogas, a dengue e todas as doenças infectocontagiosas. É a mais fria redução do feto humano que já vi. Não querer reconhecê-lo como vida, apesar de já possuir um código genético exclusivo, é uma postulação que já reúne muitos adeptos. Mas categorizar sua extirpação ao lado dessas outras patologias é até mesmo um acinte à inteligência e à capacidade de discernimento das pessoas. O aborto não pode ser discutido na mesma categoria da dengue, senhora ministra.
E não! Não digam que ela quis dizer outra coisa mais amena. Quis dizer é mais. Para além das palavras, sua mensagem propõe uma assimilação do aborto como prática corriqueira. E ressoa no sentido de naturalizar o combate ao feto. Pobre e indefeso feto. É a “sanitarização” da vida humana: limpa o feto dali!
Ademais, será essa a pauta prioritária das mulheres do Brasil? Presidente Dilma, vale o que disseste na entrevista para a revista Marie Claire e Folha de São Paulo ou na campanha?


Por Cléber Benvegnú
*Cleber Benvegnú, jornalista e dvogado, apresenta reflexões instigantes – e quase sempre incomuns – sobre política, comportamento, cultura, comunicação, direito e outros assuntos do cotidiano. O blog também tem notícias e sugestões. E-mail: sensoincomum@cleberbenvegnu.com.br

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